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a hiper-produtividade e o direito de se fazer algo só porque se quer

esse texto é um grande devaneio que me ocorreu depois de uma cerveja num dia quente. decidi compartilhar. não há e muito provavelmente não haverá revisão.

feliz dia dos trabalhadores!


entre um dia devagar, algumas linhas de código escritas pra vários trabalhos finais diferentes e ideias de projetos que pensei em começar mesmo tendo um monte de coisas acumuladas, tive um longo momento de reflexão sobre o “fazer pra mostrar”. me deparei com esse vídeo aqui1, que fala sobre a sociedade da hiper-produtividade e discute dois livros do mesmo autor: A Sociedade do Cansaço e da Vita Contemplativa, do Byung-Chul Han.

os dois livros e o vídeo discutem como de alguma forma a nossa sociedade migrou pra uma hiper-produtividade um hiper-conquista, no sentido de que tudo que fazemos tem que ter um objetivo: se você ler, precisa fazer um vídeo sobre isso. se você está estudando algo, precisa então fazer com que isso seja útil pra você e pra sua carreira. a produtividade é sempre o motivo principal de fazermos algo. o vídeo inclusive traz como exemplo o caso da semana de trabalho de quatro dias, já que o grande argumento a favor é que a produtividade das empresas não cai, embora os trabalhadores tenham mais tempo livre[^3].

pra além de tudo isso: quando descansamos, não estamos de fato descansando, estamos consumindo o tempo todo, rolando o feed da nossa rede social favorita. quando não estamos consumindo o que algum algoritmo extremamente duvidoso, e propositalmente viciante, decidiu que temos que consumir, somos pressionados a criar para que outras pessoas consumam.

simplesmente não há paz. não há um momento de ócio mental ativo.

confesso que levei esse vídeo pro pessoal. sempre fico pensando em como gostaria de fazer x, y ou z porque acho que daria uma visibilidade pro meu trabalho. eu sempre que estudo algo novo fico pensando se deveria escrever sobre porque “vai ficar bom no currículo”. na real que eu nem sempre eu quero de fato falar sobre essas coisas2. acredito que esse sentimento seja bastante exacerbado dentro do ambiente acadêmico: você de alguma forma precisa superar as pessoas ao seu redor; você precisa aparecer, seja por meio de posts, vídeos, artigos publicados, aulas dadas e etc. nem um pouco saudável, mas é um como funciona. no fim, nada disso te faz uma pesquisadora melhor.

eu percebo duas formas de encararmos que a vida é curta e que o nosso tempo aqui é finito:

  1. tentar produzir tudo que há pra ser produzido e deixar a nossa marca de alguma forma.
  2. assumir o fato de que está tudo bem aproveitar um dia ou outro e fazer coisas só pra você.

recentemente comecei a ler o livro “Tudo sobre o amor” da bell hooks, e em um dos capítulos (talvez no capítulo sobre amor-próprio, mas talvez no capítulo sobre espiritualidade. deixo a confirmação para a leitora) ela também trata sobre essa “perda de sentido” da vida. ela basicamente argumenta que o niilismo, ou essa ideia de que a vida não tem sentido sentido nenhum então foda-se o que fazemos, é quase que um mal da sociedade; é basicamente uma rejeição do amor, tanto pessoal quanto em comunidade. o argumento principal da bell hooks é que a rejeição do amor em prol do individualismo e do poder é a causa de grande parte do mal que temos hoje.

precisamos de alguma forma retomar a nossa capacidade de contemplação. todos deveríamos ter direito a aproveitar o silêncio. não precisamos conquistar o tempo inteiro, fazer tudo com um objetivo, ser perfeitos.

daqui 100 anos, ninguém vai se importar se você tiver escrito um texto meio merda na internet. e, digo mais, você nem precisa postar se você não quiser! não há nenhum motivo pra que você se sinta obrigada a escrever algo se você não for literalmente obrigada.

essa é sua deixa: estuda o que quiser só porque você quer estudar. começa a fazer crochê sem nem pensar em vender coisas na internet. compra um caderno de desenho só porque você gosta de rabiscar. sai pra andar e respira um pouco de ar fresco. escreve uma fanfic sobre a sua série favorita.

a vida é muito curta pra ser produtivo o tempo todo. o tempo tá passando e de vez em quando a gente tem que aproveitar.


#CessarFogoJá


  1. infelizmente não estou certa de que há legenda em português. 

  2. acho importante pontuar que às vezes eu quero falar dessas coisas. acho importante a distinção: se você quer ou sente que precisa falar, fale sobre isso. o ponto aqui é que a gente não deveria se sentir obrigada a falar sobre algo só porque existe uma certa pressão pra produzirmos o tempo inteiro.